segunda-feira, 23 de julho de 2007

O x-acto

Era manhã e eu percorria a pista que me levava de Oum Jhram a Zagora.

A dada altura o meu guia fez-me sinal, um vulto pequeno mantinha-se junto à “estrada” no meio do nada. Ao aproximarmo-nos abrandamos até pararmos.

Era um vendedor de fósseis. Como sou coleccionador fui inspeccionar o que ali havia quando, para minha grande surpresa, dei com uma trilubite de um tamanho raramente visto. Pedi ao meu guia que lhe perguntasse o preço e se por acaso havia mais assim. O pequeno homem respondeu que sim. Havia algumas mais, em sua casa e que se estivesse interessado podia acompanhá-lo para as poder inspeccionar.
Assim foi. O Pequeno homem era um pastor nómada. A sua casa, digo “casa”, era um pedaço de terreno não superior 6 metros quadrados que ele, a sua irmã e uma cunhada tinham limpo dos pedregulhos que por ali abundam. O tecto consistia num pedaço de pano preto, sustentado a meio por paus e seguro nas extremidades por pedras. As trilubites eram fantásticas e dado o valor que pedia eu aceitei ficar com todas.

Quando me preparava para vir embora, reparei que olhava atentamente para dentro do Land Rover. Perguntei ao meu guia o que se passava e, depois de questionar o pastor, explicou-me que gostava muito de ter um pequeno x-acto que trazia no carro.

Um x-acto? Porquê, que valor pode ter um x-acto para um pastor nómada que habita no deserto?
Explicou-nos, então que era muito útil para limpar as peles dos animais.

Surpreso, mas naturalmente ofereci-lhe o pequeno objecto quando reparo nuns olhos cada vez mais vidrados de lágrimas. Só aí realizei quanto o x-acto representava para ele.

Com um sorriso despedi-me, pois fazia-se tarde. Mas ele não deixou que partíssemos. Pegou em parte da farinha que possuíam e ordenou à irmã que fosse cozer pão, pois ainda nos restava muito caminho e podíamos ter fome...

Não me recordo, de pão tão saboroso quanto aquele. Nem eu, nem o meu guia.

Alberto Faria 2003